A
dificuldades, contudo, não se ficam pelas de uma despedida. Com efeito, mal os
navegadores se preparavam para partir, surge, em novo grande plano, a figura de
um Velho, que Camões afirma ser «de aspeito venerando» e possuidor de um saber
«só de experiências feito».
Dirige este
velho estranhas palavras aos que partem: o seu discurso é fundamentalmente uma
crítica daquilo a que se chama «estranha condição» do homem. Segundo ele, o que
está na base desta viagem é a vontade de obter a «glória de mandar»; esta
partida é fruto da «vã cobiça», da vaidade «a quem chamamos Fama». Tais
impulsos vãos não passam de «fraudulento gosto». A «Fama» e a «Glória» com que
vêm sendo designados tais impulsos vãos não passam de designações desprovidas
de sentido, que servem para enganar «o povo néscio», isto é inconsciente da
diferença entre o ser e o parecer, são impulsos que só acarretarão consigo
desgraças: desamparos, adultérios, ruína económica, perigos, mortes. O tom das
palavras deste Velho é pontuado de apóstrofes, interrogações, exclamações
(logo, altamente emotivo).
Que fazer se é
próprio da condição humana ser insatisfeito , inquieto - «dura inquietação da
alma e da vida?»
Porque assim
é, fora Adão «insano» expulso do paraíso, da «Idade do Ouro» se passara à do
«Ferro»; por isso, sejam malditos o primeiro que navegou e também Prometeu e
Ícaro – símbolos do querer ir além dos próprios limites, ao tentarem deixar o
seu elemento natural, a Terra, para conquistar outros elementos que não são os
seus – a Água, o Fogo e o Ar.
A voz do Velho
é, pois, a do simples bom senso de quem já tem uma longa experiência que lhe
diz que se não deve avançar, mais ou menos às cegas, para empreendimentos que
vão para além da pequenez do «bicho da terra tão pequeno» de que se falara no
final do Canto I. O homem é, sem dúvida, um estranho animal que não ouve a voz
do bom senso e da razão e, porque inquieto, está disposto a partir, a ousar
sempre, impelido por uma força irresistível.
Lúcido como é,
o Velho sabe que as suas palavras não vão ser ouvidas. Procura, então, delinear
outro caminho que seja um mal menor: se assim é, se impulsos vãos conduzem o
homem para além do que «prometia a força humana» então que estes que vão partir
mudem de rumo e vão para mais perto, para o norte de África, onde, com menos
riscos, possam lutar pela Fé, ficar ricos e famosos. Para além do mais,
combater no norte de África poderia contribuir para maior segurança do reino,
constantemente ameaçado pelo inimigo maometano.
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