Vêem o que não vêem; outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, vêem
O que não pode ver-se.
Porque tão longe ir pôr o que está perto -
A segurança nossa? Este é o dia,
Esta é a hora, este é o momento, isto
É quem somos, e é tudo.
Perene flui a interminável hora,
Que nos confessa nulos. No mesmo hausto
Em que vivemos, morreremos. Colhe
O dia, porque és ele.
Nada fica de nada. Nada somos.
Um pouco ao sol e ao ar nos atrasamos
Da irrespirável treva que nos pese
Da humilde terra imposta,
Cadáveres adiados que procriam.
Leis feitas, estátuas vistas, odes findas -
Tudo tem cova sua. Se nós, carnes
A que um íntimo sol dá sangue, temos
Poente, porque não elas?
Somos contos contando contos, nada.
Ao Longe
Ao
longe os montes têm neve ao sol,
Mas
é suave já o frio calmo
Que
alisa e agudece
Os
dardos do sol alto.
Hoje,
Neera, não nos escondamos,
Nada
nos falta, porque nada somos.
Não
esperamos nada
E
ternos frio ao sol.
Mas tal como é, gozemos o
momento,
Solenes na alegria levemente,
E aguardando a morte
Como quem a conhece.
Aos Deuses
Aos
deuses peço só que me concedam
O
nada lhes pedir. A dita é um jugo
E
o ser feliz oprime
Porque
é um certo estado.
Não
quieto nem inquieto meu ser calmo
Quero
erguer alto acima de onde os homens
Têm prazer ou
dores.
Antes de Nós
Antes
de nós nos mesmos arvoredos
Passou
o vento, quando havia vento,
E
as folhas não falavam
De
outro modo do que hoje.
Passamos
e agitamo-nos debalde.
Não
fazemos mais ruído no que existe
Do
que as folhas das árvores
Ou
os passos do vento.
Tentemos
pois com abandono assíduo
Entregar
nosso esforço à Natureza
E
não querer mais vida
Que
a das árvores verdes.
Inutilmente
parecemos grandes.
Salvo
nós nada pelo mundo fora
Nos
saúda a grandeza
Nem
sem querer nos serve.
Se
aqui, à beira-mar, o meu indício
Na
areia o mar com ondas três o apaga,
Que
fará na alta praia
Em
que o mar é o Tempo?
Do que Quero
Do
que quero renego, se o querê-lo
Me
pesa na vontade. Nada que haja
Vale
que lhe concedamos
Uma
atenção que doa.
Meu
balde exponho à chuva, por ter água.
Minha
vontade, assim, ao mundo exponho,
Recebo
o que me é dado,
E
o que falta não quero.
O
que me é dado quero
Depois
de dado, grato.
Nem
quero mais que o dado
Ou
que o tido desejo.
Tão cedo passa tudo quanto passa!
Tão cedo passa
tudo quanto passa!
Morre tão jovem
ante os deuses quanto
Morre! Tudo é
tão pouco!
Nada se sabe,
tudo se imagina.
Circunda-te de
rosas, ama, bebe
E cala. O mais é
nada.
|
Uns
Uns, com os olhos postos no passado,
Por que
tão longe ir pôr o que está perto —
Vêem o que não vêem: outros, fitos Os mesmos olhos no futuro, vêem O que não pode ver-se. A segurança nossa? Este é o dia, Esta é a hora, este o momento, isto É quem somos, e é tudo. Perene flui a interminável hora Que nos confessa nulos. No mesmo hausto Em que vivemos, morreremos. Colhe o dia, porque és ele. |
Se Recordo
Se recordo quem fui, outrem me vejo,
E o passado é o presente na lembrança. Quem fui é alguém que amo Porém somente em sonho. E a saudade que me aflige a mente Não é de mim nem do passado visto, Senão de quem habito Por trás dos olhos cegos. Nada, senão o instante, me conhece. Minha mesma lembrança é nada, e sinto Que quem sou e quem fui São sonhos diferentes. |
Quer Pouco
Quer pouco: terás tudo.
Quer nada: serás livre. O mesmo amor que tenham Por nós, quer-nos, oprime-nos. |
Quando, Lídia
Quando, Lídia, vier o nosso outono
Com o inverno que há nele, reservemos Um pensamento, não para a futura Primavera, que é de outrem, Nem para o estio, de quem somos mortos, Senão para o que fica do que passa O amarelo atual que as folhas vivem E as torna diferentes |
Pois que nada que dure, ou
que, durando
Pois que nada que dure, ou que, durando,
Valha, neste confuso mundo obramos, E o mesmo útil para nós perdemos Conosco, cedo, cedo. O prazer do momento anteponhamos À absurda cura do futuro, cuja Certeza única é o mal presente Com que o seu bem compramos. Amanhã não existe. Meu somente É o momento, eu só quem existe Neste instante, que pode o derradeiro Ser de quem finjo ser? |
Estás só. Ninguém o sabe.
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