terça-feira, 25 de novembro de 2014

Alberto Caeiro - alguns esclarecimentos

  • Não se deve dizer que Alberto Caeiro é inconsciente, porque este conceito está demasiadamente ligado a Fernando Pessoa e tem um significado que não se aplica a Alberto Caeiro. 
  • Quando se diz que Caeiro preconiza a "simplicidade, inocência e constante novidade das coisas", isso significa que efetivamente ele é uma pessoa simples, inocente, pois não vê segundos sentidos em nada e porque se maravilha com toda a realidade à sua volta, por isso, podemos afirmar que a atitude dele perante o mundo é semelhante à de uma criança, no que diz respeito à simplicidade e maravilhamento.
  • Não se deve dizer que Caeiro não racionaliza, deve dizer-se que ele recusa o pensamento metafísico, considera-o uma inutilidade, já que para ele a percepção da realidade faz-se através dos sentidos, pois: 
    • "cada coisa é o que é"
    • "O que nós vemos das cousas são as cousas. / Por que veríamos nós uma cousa se houvesse outra? / Por que é que ver e ouvir seria iludirmo-nos / Se ver e ouvir são ver e ouvir? / O essencial é saber ver" / A realidade é que ele vê o mundo sem necessidade de explicações."
  • Alberto Caeiro deambula pela natureza para melhor a absorver, para poder ter uma simbiose / comunhão / fusão com ela, por ela ser divina, perfeita, única. Caeiro representa um regresso às origens, à essência, à sinceridade plena e a um semi-paganismo, na medida em que crê na divindade das coisas (o que se transforma num panteísmo).  
  • "é sobretudo inteligência que discorre sobre as sensações" - Caeiro compreende o mundo / universo / natureza através das sensações, é isso que ele diz e defende, contudo, nós, leitores, percebemos que tudo o que ele diz é reflexo da inteligência, não só das sensações, mas também do pensamento, embora ele o recuse, e apesar de ter consciência do seu próprio pensamento - "penso nisto, não como quem pensa, mas como quem não pensa".

domingo, 23 de novembro de 2014

Ricardo Reis - alguns poemas

Uns, com os olhos postos no passado,
Vêem o que não vêem; outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, vêem
O que não pode ver-se.

Porque tão longe ir pôr o que está perto -
A segurança nossa? Este é o dia,
Esta é a hora, este é o momento, isto
É quem somos, e é tudo.

Perene flui a interminável hora,
Que nos confessa nulos. No mesmo hausto
Em que vivemos, morreremos. Colhe
O dia, porque és ele.



Ricardo Reis - Características


quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Alberto Caeiro - alguns poemas

I

Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr de sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.

Eu nunca guardei rebanhos - Alberto Caeiro


domingo, 16 de novembro de 2014

"Sou um guardador de rebanhos" - análise


Álvaro de Campos - características

Álvaro de Campos

·    Poeta sensacionista e escandaloso;
·    Homem da indústria e da técnica;
·    Histerismo, euforia, carga dinâmica, torrente nervosa;
·    Megalómano e intervencionista;
·    “Quanto mais eu sinta, quanto mais eu sinta como várias pessoas/Quanto mais personalidade eu tiver.../Mais análogo serei a Deus, seja ele quem for...”;
·    «Filho indisciplinado da sensação» (segundo Ricardo Reis);
·    3 fases: fase decadentista; fase do futurismo whitmaniano; fase independente/niilista/pessimista;

Ricardo Reis - características

Ricardo Reis

·   Clássico no estilo, no rigor, no estoicismo, na adoção do paganismo, na crença nos deuses da Grécia e no exercício da razão;
·    Defensor do saber contemplar, ou seja, ver intelectualmente a realidade;
·    Serenidade livre de afetos e de tudo o que possa perturbar o seu espírito, busca a felicidade relativa alcançada pela indiferença à perturbação;
·    Defesa do Carpe Diem, o prazer do momento (só é real o presente, o futuro é uma incógnita, por isso a procura de desfrutar o presente), sem contudo ceder aos impulsos dos instintos, revelando um epicurismo triste;
·    Luta contra tudo o que lhe tire o sossego, aceita o destino com naturalidade, sem lhe resistir - «Segue o teu Destino» «sem desassossegos grandes»;
·    Paganismo - apologia da crença nos deuses e nas presenças quase-divinas que habitam todas as coisas, considerando-a disciplinadora das emoções e sentimentos;
·    Poeta intelectual;

Alberto Caeiro - Características

Alberto Caeiro
  •  Mestre de Pessoa ortónimo e dos outros heterónimos, Caeiro dá primazia ao sentido da visão, mas é sobretudo inteligência que discorre sobre as sensações, num discurso em verso livre, em estilo coloquial e espontâneo. Passeando a observar o mundo (deambulação), personifica o sonho da reconciliação com o universo, com a harmonia pagã e primitiva da Natureza.
  •  Poeta do real objetivo - vê de forma objetiva e natural a realidade;
  •  «Guardador de rebanhos» - pensa através das sensações;
  •  Pastor por metáfora - «Minha alma é como um pastor»;
  • Recusa do pensamento metafísico - «Pensar [metafisicamente] é não compreender»;
  •  Simplicidade, inocência e constante novidade das coisas;
  • Captação da realidade imediata através daquilo que as sensações lhe oferecem - «A sensação é a única realidade para nós»;
  • «Creio no mundo como num malmequer,/Porque o vejo. Mas não penso nele»;
  •  Religião sensacionista – Paganismo: paganismo vivido, não pensado;

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Sonho/realidade - poemas representativos - II

Não sei se é sonho, se realidade,
Se uma mistura de sonho e vida,
Aquela terra de suavidade
Que na ilha extrema do sul de olvida.
É a que ansiamos. Ali, ali
A vida é jovem e o amor sorri
Talvez palmares inexistentes,
Áleas longínquas sem poder ser,
Sombra ou sossego dêem aos crentes
De que essa terra se pode ter.
Felizes, nós? Ah, talvez, talvez,
Naquela terra, daquela vez.
Mas já sonhada de desvirtua,
Só de pensá-la cansou pensar,
Sob os palmares, à luz da lua,
Sente-se o frio de haver luar.
Ah, nesta terra também, também
O mal não cessa, não dura o bem
Não é com ilhas do fim do mundo,
Nem com palmares de sonho ou não,
Que cura a alma seu mal profundo,
Que o bem nos entra no coração.
É em nós que é tudo. É ali, ali,
Que a vida é jovem e o amor sorri. 
Fernando Pessoa

Sonho/Realidade - poemas representativos - I

Viajar! Perder países!
Ser outro constantemente,
Por a alma não ter raízes
De viver de ver somente!
Não pertencer nem a mim!
Ir em frente, ir a seguir
A ausência de ter um fim,
E a ânsia de o conseguir!
Viajar assim é viagem.
Mas faço-o sem ter de meu
Mais que o sonho da passagem.
O resto é só terra e céu.


Fernando Pessoa

Sonho/Realidade


Fragmentação do eu